quarta-feira, 12 de setembro de 2012

EUGÊNIO ALVES MARTINS

A vida de um ex-combatente de guerra


É no auge de seus 90 anos, completados no último dia 3, que Eugênio Alves Martins, morador de General Câmara, em meio a suas medalhas e seus quadros de homenagens emoldurados na sala de casa, volta no tempo e recorda de quando serviu ao Exército no Rio de Janeiro e São Paulo. Relembra os dias difíceis em que lutou na Força Expedicionária Brasileira (FEB), defendendo o país na Segunda Guerra Mundial, e fala dos bons tempos em que trabalhou com o então presidente João Goulart. Natural de Jaguari, no oeste do Estado, quando menino, Eugênio foi morar em Bossoroca, local em que seu pai tinha herdado algumas terras.


- Eu trabalhava com agricultura, plantei muito arroz em sociedade com um amigo meu. Plantei na fazenda dele. Por lá nos desentendemos e acabamos brigando. A briga acabou na justiça e resultou em uma indenização. Parte foi pago em gado e a outra, em dinheiro. Meu pai me aconselhou a não gastar o dinheiro, mas eu não dei ouvidos e fui embora. Fui para Santiago com o meu avô. Parei na casa de um primo, que era sargento, o Calistrado. Disse para ele que queria servir e ele prontamente me levou ao quartel. Fui apresentado ao coronel e já fiquei por lá mesmo. Servi quase três anos no Exército, lá em Santiago do Boqueirão. Eu tinha 16 anos – conta ele.
Após dois anos, Eugênio alçou voos mais altos. Foi como voluntário para o Rio de Janeiro, para o Esquadrão Metralhadora.
- Tempos depois, fui servir no Batalhão de Gala do Rio e fiz alguns cursos. Também trabalhei no QG do Getúlio Vargas, da Força Expedicionária Brasileira. Nesse tempo, fiquei quase três anos no Rio. Depois, fui transferido para São Paulo – completa.


Os tempos de Guerra
Ciente que poderia ir para a Guerra, Eugênio não se amedrontou diante da convocação. A Segunda Guerra Mundial foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945, e envolveu a maioria das nações do planeta. O número de mortes superou os 50 milhões, havendo ainda 28 milhões de mutilados.
A viagem para Itália, feita de navio em 1942, durou 12 dias e 12 noites.
- Éramos quatro mil soldados e fomos todos em um navio. Eu peguei coisas boas no trajeto. Eu era especialista da Companhia de Guarda, ficamos separados do resto do grupo. Ganhamos cama para dormir no convés. Os outros soldados ficaram em lonas. Mas passamos muito trabalho. Quando terminava o almoço, já entrava na fila da janta, de tanta gente que tinha – lembra.


No Pelotão de Reconhecimento
Na Itália, Eugênio fazia parte do Pelotão de Reconhecimento.
- O grupo reconhecia a posição para as tropas poderem avançar. Se fôssemos atacados, seríamos sempre os primeiros. Nosso distintivo era uma cobra fumando. Quando a coisa ficava feia, diziam “A cobra está fumando” – afirma, aos risos.


Tudo pela vida do amigo
Durante uma operação de alto risco, Eugênio não mediu esforços para salvar a vida de um amigo de infância e companheiro na guerra.
- Em uma diligência, nos deparamos com duas patrulhas inimigas. Junto comigo, tinha esse meu amigo; nos criamos em Bossoroca, era filho de um fazendeiro. Ele ficou atrás de mim, em uma trincheira. Eu me desloquei e pedi para ele ficar na trincheira onde eu estava. Quando se mexeu, veio uma bomba e o impacto levantou seu corpo. Ele foi atingido por tiros de metralhadora. Começou a gritar e a chorar. Peguei ele e o carreguei nas minhas costas. Caminhei uns 300 metros, em uma montanha, até encontrar ajuda. Ele foi levado para os Estado Unidos, ficou dois anos lá. Voltou com perna mecânica e com outras próteses no corpo. Eu o visitei depois disso. Ficou muito agradecido por eu ter ajudado ele durante a guerra. Até presente a família dele me mandou – diz.


“Em uma guerra, soldado não tem medo”

Depois que deixou o amigo a salvo, Eugênio voltou para o combate e acabou matando um tenente alemão.
- Quando voltei, prendemos uns 50 soldados. E tinha um tenente alemão, que não queria levantar as mãos. Eu gritava para ele: levanta as mãos, levanta as mãos! Ele estava armado. E quando fez um gesto, achei que fosse pegar a arma e acabei atirando nele. Matei-o. Caminhamos 100 metros e voltei. Lembrei que o alemão tinha um anel muito bonito no dedo. Pensei: vou lá ver aquele anel. Ele estava trancado no dedo, mas o tirei.
Era de ouro com brilhante. Anos depois, empenhei o anel em General Câmara – recorda.
Eugênio tinha o sobrenome da avó como seu nome de guerra. O Machado, como todos o conheciam, não passou ileso em um dos combates mais sangrentos da história.
- Fui atingido por uma granada, em 30 de março de 1945. Atirei-me em um valo e não consegui proteger as pernas. Tive muitas queimaduras. Fiquei quatro dias no hospital de campanha. Mas eu não tinha medo. Em uma guerra, soldado não tem medo. Quando a gente saia para o front, nos davam um chiclete amarelo americano, e tu ficava com uma coragem medonha. Nem fome a gente tinha. Fiquei na Itália uns três anos. Participei de quatro batalhas. Saíamos camuflados do mato, tínhamos estratégia de guerra. A turma de reconhecimento vai junto com a infantaria para fazer um croqui da tropa inimiga para entregar ao comandante. Só faz a defesa - destaca.
O casamento durante a guerra
Em meio ao caos, Eugênio casou-se com uma italiana, em Pisa, na Itália.
- Foi em 1944. Ela era professora. Eu tinha que carregar ela disfarçada de homem, pois não podia fazer transporte de mulher. Ela veio embora comigo para Porto Alegre depois da guerra. Eu mandei buscar minha sogra e meu cunhado. Eles moravam comigo, no Partenon. Mas tive muito atrito com minha sogra. Tivemos dois filhos, um homem e uma mulher, mas a menina morreu. O casamento não durou muito, nos separamos aqui no Brasil – lembra.
“Saía para o front e não sabia se voltava”
As lembranças da guerra ainda comovem Eugênio. Assume que em certos momentos tem vontade de chorar ao lembrar-se de alguns episódios, mas não se arrepende de ter representado seu país em um momento difícil da história mundial.
- Uma guerra não é brincadeira. Não é fácil ir para um lugar onde a gente não conhecia nada. Andávamos com água pelo pescoço durante a noite. Vi muita gente morrendo do meu lado. Vi até um soldado caminhando sem cabeça. Ele levou muitos tiros e seguiu caminhado por alguns segundos. As pessoas mortas pareciam um gado abatido. Eu ficava muito abalado. Saia para o front e não sabia se voltava. Mas eu estava preparado para isso. Fui como voluntário. O medo lá era constante. Estive de norte a sul da Itália.
– pontua.
Eugênio ficou na Europa até o final da guerra. Tinha planos de ficar no Pelotão de Sepultamento, no cemitério dos Pracinhas, na Itália.
- Decidi voltar para o Brasil com minha esposa. Levei 30 noites para voltar, de navio.
No Brasil
De volta ao Brasil e com as queimaduras da guerra estampadas em suas pernas, Eugênio trabalhou com o presidente João Goulart, que governou o país de 1961 a 1964.
- Eu trabalhei sete anos como milico do Jango. Fazia a sua guarda. Ele era como um irmão pra mim. Eu me dava com a família dele, que morava em São Borja. Quem me levou para trabalhar com ele foi um primo do João, que me falou: “o João Goulart precisa de dois sargentos para trabalhar para ele. Eu me lembrei de vocês”. Fiquei também seis meses em Fernando de Noronha. Quando vim embora, trabalhei com o João. Foi um tempo bom. Nunca me faltou nada. Sempre estávamos de prontidão para defendê-lo. Ele ia seguido para a fazenda em São Borja – afirma.
Em Porto Alegre
Com a vinda para Porto Alegre, Eugênio não demorou muito para chegar a General Câmara. 
-Eu vim para cá com o coronel que era meu amigo na Itália. Era meu comandante lá. Veio comandar o 3º Exército aqui. Com a o Movimento pela Legalidade, liderado pelo Brizola, esse coronel botou o Exército a favor do Brizola. Nesse tempo, o comandante do regimento me deu um ofício e disse que tinha arrumado uma vaga para mim, aqui no Arsenal, em General Câmara. Apresentei-me e fiquei por aqui. Fiquei um tempo em um hotel e depois me deram uma casa – fala.
Em General Câmara, Eugênio conheceu a atual esposa, Vivalda da Costa Pacheco, com quem já está casado há mais de 50 anos. 
- Tenho quatro filhos. O filho com a italiana tem 60 e poucos anos. Com a minha segunda esposa, o filho mais novo faleceu – ressalta.
Aposentado há 30 anos, Eugênio não cansa de mostrar as medalhas que ganhou. Os quadros emoldurados na parede são a memória viva de tempos de dificuldade e de vitórias. O mapa da guerra, as medalhas de sangue, fazem parte da sua vida.
- Pena que eu já não lembre mais de algumas coisas. Mas essa é a minha história – finaliza.
Viviane Bueno
Jornal Portal de Notícias 11/09/2012

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